Porta-retratos

Não lhe agrada a ideia de saber que há um porta-retratos com a foto dela em outra sala de estar. É incômodo o fato de se sentir uma “pessoa de papel”, frágil ao ponto de ser partida ao meio por um leve movimento. Mas, a foto lhe imprime este estado de espírito: o de se partir em milhares de pedaços diante da mais simples mudança. 
Ninguém vê realmente uma “pessoa de papel” e nem ao menos compreende o que ela diz. Um porta-retratos na estante, imóvel, incapaz de ter sentimentos, fácil de lidar, fácil de esquecer em um canto... 
Existe ex-marido, ex-namorado (a), ex-mulher, mas nunca “ex-filho” e muito menos um “filho de papel”. Um porta-retratos na sala de estar não exime ninguém de sua culpa e não conserta nada, só intriga ainda mais. Há pais que se esquecem dos filhos por anos na estante, e quando se lembram de olhar para a foto já não os reconhecem mais e a pessoa da foto também não quer ser reconhecida, pois nenhum ser cria laços com alguém que não se importa e se distancia sem olhar para trás. 
Ela está na foto, porém, nem na foto ela gostaria de estar. Pessoas que não fazem parte de nossas vidas, não merecem nossas fotos, uma foto pode revelar muito, ou o bastante que queremos manter distante de pessoas hipócritas. Para ela é hipocrisia basear-se na “pessoa de papel” para formar sentimentos ou, forçar sentimentos. Quem não lembrou ontem pode esquecer-se para sempre, não faz diferença. Hoje não convencem os elogios e abraços que ontem foram simplesmente omitidos. 
Um “filho de papel” não é seu filho, é um objeto que não nutre sentimento algum, simples assim.

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